quinta-feira, 27 de abril de 2017

Crônicas do Sardo Mineiro

Ter sangue sardo é...

Cultivar a ilha paraíso no coração, sem fazer da alma uma ilha.
E mesmo cruzando extensos mares, carregar sua história milenar.
É cantar cappela e ecoar seus sentimentos ao longe, abraçando o mundo.
Numa mística forma que envolve todas as estações e sentidos.
É ser forte e galgar alturas como muflones nos rochedos.
Ter a paciência de pastores e monges a vigiar seu rebanho.
É não se entregar fácil aos desafios de seus algozes, na nobreza de javalis.

Ser família, como profissão de fé diária.
Seguir procissões e ritos, pedir a benção do nonno nas árduas campanhas.
É não ceder ao jogo da vida, como pedras que se moldam ao vento inclemente.
Sentir-se parte da natureza, do cosmos às profundezas do ser, colhendo uvas.
Ter adiante das veredas, a presença de São Miguel Arcanjo.
Agir no tempo certo, calmo como a corticeira que se deixa cortar e servir.
Sentir-se pleno aos pés das montanhas, com Gennargentu a nos sondar.

É ter no vino, formaggio di pecora, pane curasao, uma conexão celestial.
Viajar pela gastronomia, como el trenino contornando serras e mar de rara beleza.
Cultivar a arte na madeira, na cortiça e na rocha, gravando-a para a posteridade.
Guardar n’alma, mais de sete mil torres de enigmática beleza, uma parole sem fim.
Desfazer-se das máscaras e do sentir Mamuthones, ao som dos sinos e ventos.
Na manhã seguinte, renascer livre e forte como um histórico Giganti di Prama.
É dizer Io sono Sardo, cujas raízes nurágicas se perdem nas brumas do tempo.

Quando vir a solidão, invade n’alma o canto de launeddas ao vento.
Ou grite e ouça seu eco nas montanhas, como puro manifesto da liberdade.
É falar de política, no ir e vir de ideias gramscianas, de um mundo manipulado e perdido.
Tomar uma Ichnusa, quando todos os argumentos falharem na vagueza do ser.
Ter odores e sabores dos campos floridos e entender a neve, quando tudo adormecer.
Acordar com o dia em brumas na Pinnetta, rodeado de cabras e pensamentos.
É tudo sonhar, sem nunca ter estado no lugar, mas viajar com a alma de Deledda...


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18/04/2015
Poesia de um descendente sardo.
_______________________________________________________________            José Capaz Dutra Cappai, 53 anos, é jornalista, historiador e pesquisador da imigração sarda para o Brasil. Autor do Livro "A ILHA QUE ATRAVESSOU O MAR", em fase de publicação.

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