domingo, 27 de maio de 2018

Bem de família começa pela memória


Meu avô sardo construiu sua casa no Distrito de Leopoldina, chamado São Lourenço, na serra. Desta casa saiu a geração de pai, com oito filhos. Era imigrante, pedreiro e carpinteiro. Vi com orgulho suas obras no Armazém, algumas casas e na igreja do vilarejo. Sinto a luta e o suor em casa caco do tijolo manual e vão da argamassa, contando história viva. Não é história soterrada, mas registro vivo. Está viva a história, porque como neto deste sardo imigrante (que não naturalizou brasileiro), está aqui relatando. Meu pai, antes de falecer em 09 de maio de 2017, aos 83 anos, me contou suas histórias e narrou seus feitos.

O sardo Raffaele Cappai, cujo nome no Brasil era Rafael Capaz, deixou seu legado. Sistemático, de pouca fala, engenhoso em suas ideias e muito dedicado à família, tem sua história de luta gravada nas paredes desta antiga casa e no vilarejo. Olhei o brilho nos olhos do meu pai, nesta visita ao vilarejo, a empolgação do filho contando a antiga roda d’água, o engenho, o pomar feito com zelo, o carro de boi feito no canivete, a receita impecável da polenta e tantas outras histórias... E estas histórias me encheram de vontade de comprar a antiga casa de meu avô, para manter a memória da família.

Mas vários fatores me puxam para a realidade. Minha família está distante mais de 500 quilômetros do local. O investimento seria alto e sem chance de se efetivar. A nova geração jamais entenderia os motivos. Os elos sentimentais são efêmeros diante das urgências atuais, implicando em mudanças de rotas e planos. Como gostaria de comprar esta antiga fazenda!!! Para outros, história é uma “grande bobagem”. Enxerga a maioria dos que estão nesta encruzilhada, que o recurso financeiro é superior a toda vivência e arquivos de família. Ao contrário do velho mundo, que se orgulha de preservar e falar do berço de várias gerações. Na Europa é até um sacrilégio desfazer de um bem de família, pois algumas servem há mais quinhentos anos a suas gerações. No Brasil, salvo poucas excessões, não mais importa a distância e o tempo, porquanto não se dá valor à memória e poucos esforços se movem para reconstituir e perpetuar a história familiar. Vale o consenso e o valor que grita mais alto.

E embrenho neste vão de raciocínio, abraçando duvidoso a dissonância cognitiva, de tantos sardos que na saudade extremada de seu berço “isola paradiso”, a falta de adaptação em terras estranhas, abandonou a malograda imigração e retornou de onde nunca deveriam ter saído. E apreciando orgulhoso a casa construída pelo meu “nonno” sardo, entendo a temporalidade do abrigo, porque ele também sonhava um dia retornar para sua terra natal. Deus é bondoso em permitir ao ver a firmeza destas obras, que ostentam 100 anos de construção e de vivida lembrança da luta de meus ancestrais. Talvez não seja o fato de ter sua posse, exceto a captura pelo olhar, porque a Sardenha ainda grita na memória de seu descendente. A demolição da casa do "nonno" com o passar dos anos é mera fatalidade temporal, mas a memória viaja muito longe...




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